O crescimento do Brasil colocou um “holofote” sobre o que acontece na América Latina, disse em entrevista à BBC Brasil o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o colombiano Luis Alberto Moreno.(foto)
Líder em um continente que tem conseguido virar uma página ligada à pobreza e caminhando para se tornar “um país de classe média”, o Brasil é um “modelo para os seus vizinhos”, afirmou.
Mas apesar de figurar entre os grandes emergentes mundiais, como a Índia, a China e a Rússia, o Brasil tem um destino que continua essencialmente ligado à dos outros países da América Latina, sustenta Alberto Moreno.
“É difícil mudar de endereço. O Brasil é dos países que tem mais vizinhos no mundo e isso não vai mudar. Ao contrário, o sucesso do Brasil faz bem à América Latina. Não tenho dúvidas que o Brasil colocou um holofote sobre o que acontece na região.”
O presidente do BID falou com exclusividade durante uma visita a Buenos Aires para autografar seu livro La década de América Latina y el Caribe.
Alberto Moreno destacou a oportunidade da América Latina de triplicar até 2025 a sua atual renda per capita de US$ 5 mil, através de investimentos em educação e em infra-estrutura.”Para isso, precisamos fazer o que nós, latino-americanos, nunca fizemos: pensar no longo prazo.”
BBC Brasil – O senhor afirma, no livro, que a América Latina tem uma enorme oportunidade. Que oportunidade é essa?
Luis Alberto Moreno – Viramos a página de temas que nos acompanharam durante muito tempo, como os desequilíbrios macroeconômicos, dívida, inflação. Hoje, em termos gerais, temos uma região que tem balanços macroeconômicos estáveis, uma população com a idade media é de 27 anos, classes médias crescentes, e muitos dos produtos que o mundo precisa. Mas como usamos este bom momento para dar o salto qualitativo? Isso requer fundamentalmente que tenhamos visão de longo prazo, o que fizemos muito pouco na América Latina.
BBC Brasil – O que deve ser debatido?
Moreno – Temas como a produtividade, por exemplo. Os estudos que temos no banco demonstram que os custos dos transportes na América Latina são o dobro da média dos países da OCDE. Além disso, temos desafios imensos como da falta de segurança. Fizemos uma pesquisa nos Estados Unidos, Europa e no Japão e nestes países o emprego é a primeira preocupação. Esta mesma pesquisa na América Latina nos informou que a primeira preocupação dos latino-americanos é a criminalidade.
O outro grande tema é a educação e os investimentos em ciência e tecnologia. Um estudante em Xangai , na China, tem entre quatro e cinco anos mais de conhecimentos de ciência sociais – matemática ou ciências – que este mesmo estudante, em média, na América Latina. Acho que estas questões são fundamentais para que daqui a quinze anos, em 2025, possamos chegar a ter na América Latina, que hoje tem uma renda per capita de US$ 5 mil, cerca de US$ 15 mil de renda per capita.
BBC Brasil – Com os níveis atuais de crescimento?
Moreno – Exatamente. Uma taxa de crescimento média de 5%, que foi a que tivemos nos últimos oito anos, salvo no período da crise, nos resultaria em quase US$ 15 mil de renda per capita. Temos de pensar no longo prazo. Nós gostamos de pensar no curto prazo e falar do lado negativo. Hoje achamos que podemos mudar esta discussão.
BBC Brasil – O que falta para que a América Latina decole como ocorreu com a China?
Moreno – Nos últimos 50 anos, por que países como Coreia (do Sul) conseguiram atravessar este grande caminho do deserto? Não há dúvidas de que há relação direta com a educação. Acho que a educação explica muitos dos sucessos dos países e especialmente porque a economia do futuro é baseada no conhecimento. Mas nós, latino-americanos, somos jovens e rapidamente aderimos à telefonia celular e às redes sociais. E tudo isso nos conectou muito mais rapidamente com o mundo.
BBC Brasil – Hoje a relação dos países da América do Sul com a China, principalmente, é baseada nas exportações das commodities. Como evoluir deste comércio de bens primários?
Moreno – Não temos dúvidas de que uma das nossas grandes oportunidades é que vamos ter preços das commodities em alta por pelo menos dez anos mais, porque países como a Índia e a China possuem classes médias crescentes. E estes novos milhões de asiáticos, que entram para a classe média, têm hábitos de consumo que mudam, disparando grande demanda por muitos produtos que são, principalmente, da América do Sul.
BBC Brasil – Essa é uma área na qual a economia tem problemas, apesar do crescimento: portos, aeroportos e outros setores. E agora vêm a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O senhor acha que ainda há tempo para resolver estas questões?
Moreno – Estou convencido de que o Brasil vai resolver estas questões com sucesso e que medidas como a de abrir concessões para a construção de cinco aeroportos são um bom caminho. Certamente quando as ofertas forem abertas vão gerar maior valor entre os mercados emergentes. Creio que há no Brasil e em muitos países muito pragmatismo diante do fato de que o que se necessita é justamente avançar nos investimentos em infraestrutura. Do contrário, serão gerados gargalos que não vão permitir o crescimento a um ritmo maior e deixaremos de aproveitar este bom momento.
BBC Brasil – Também se fala hoje no Brasil da carência de mão de obra qualificada. Alguns setores falam até num “apagão” nesta área. Como o senhor vê este fenômeno?
Moreno – Não acho que vamos chegar numa situação de apagão. O que temos é um sinal de alarme. Devemos ter consciência de que estes assuntos vão pesar muito e que a única maneira de resolvê-los é incluindo a sociedade como um todo. No Brasil existe um grande debate sobre este assunto e não é só no governo. Há uma grande participação de empresários e das próprias famílias que querem melhor educação para seus filhos. Existem latino-americanos talentosos que se foram de nossos países, em busca de oportunidades, e agora muitos destes jovens estão retornando. É saudável.
BBC Brasil – Hoje se fala mais do Brasil como integrante do Bric, mais até do que como integrante da América Latina. O Brasil estaria se descolando da região?
Moreno – Primeiro, é difícil mudar de endereço. O Brasil é dos países que tem mais vizinhos no mundo. Isso não vai mudar. Acho que, ao contrário, que o sucesso do Brasil faz bem à América Latina, a América do Sul. Não tenho dúvidas que o Brasil colocou um holofote sobre o que acontece (na região). Mas nesse mundo multipolar temos muitos cenários ao mesmo tempo. Por exemplo, a aliança que está sendo feita entre Chile, Peru, Colômbia e México (na área de mercado de capitais).
BBC Brasil – O senhor acha que o Brasil caminha para ser um país de classe média?
Moreno – Sem dúvida. Acho que é um país que está nesta direção e, além disso, percebo grande consciência em todo o governo brasileiro de preocupar-se em como chegar a isto mais rápido. Acho que é um exemplo para os demais países latino-americanos.
BBC Brasil – Como o senhor vê a economia brasileira hoje, onde a inflação, como ocorre em outros países, passou a preocupar?
Moreno – O Brasil hoje tem grandes desafios, como outros países latino-americanos, de uma pressão inflacionária que está ligada ao aumento dos produtos básicos e o grande fluxo de recursos para nossos países, porque estamos crescendo o dobro da economia mundial. É boa a iniciativa da presidente Dilma (Rousseff) de atuar pelo lado fiscal. É preciso ser contra-cíclico quando as economias têm quedas. Mas é preciso poupar para as melhores épocas. E isso, obviamente, está ligado à qualidade do gasto. Trabalhamos nesta área fiscal com muitos estados (brasileiros) e assunto faz parte da agenda do futuro.
BBC Brasil – Quanto tem o BID planejado para investir na América Latina? E no caso da Copa e das Olimpíadas, como entra o BID?
Moreno – Fizemos um aumento do capital, no ano passado, e estamos terminando (os detalhes) nos congressos dos países. Isso nos vai permitir poder emprestar, na próxima década, US$ 12 bilhões por ano. Quer dizer, que em alguns anos emprestaremos US$ 10 bilhões, outros US$ 12 bilhões ou US$ 14 bilhões para América Latina e Caribe.
Fonte: BBC Brasil
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